Duas quedas

A garota estava beijando o cara que mais exalava o estereótipo de hétero cis top. Eu poderia dizer, engolindo. Era voraz, teatral. Parecia ter feito de propósito.

Virgínia e eu acabamos desolados contra a parede. Eu podia ver a ferida dela exposta. Muito mais do que a minha. Talvez porque…

— Você também gostava dela, não é? — Ela empurrava as palavras séria e frigida, expressamente sincera

Eu olhei para as pontas dos meus pés. Não só pelo desconforto de toda aquela situação, no fim eu ainda sentia um calafrio quando ela falava comigo.

— Talvez — Foi tudo que consegui dizer.

— Você gosta dela — afirmou

— Eu não consigo disfarçar nada, não é mesmo

Disfarcei um riso.

— Não, não consegue.

Continuava em sua análise fervorosa .

Olhando de canto para ela, eu só me lembrava do trecho de uma música

“Only know you love her, when let her go”

Ridícula a vida na qual eu, tentando esquecer Virgínia, que agora estava ao meu lado, havia me apaixonado por uma garota que não me achava “homem de verdade”. E ela, mesmo ao meu lado não nutria sentimentos por mim, porque bem… Ela gosta de garotas… E ela sim me vê como homem. E ela assim como eu, teve o coração ferido pela outra garota.
Ambos estávamos apaixonados por ela.

Isso tudo é uma droga. Um drama adolescente que eu me nego a participar. Eu nem sou adolescente. Ah bem…

Virgínia fechou os olhos e respirou fundo. Quando os abriu olhou fixamente para mim.

— Vamos sair daqui?

Eu nem tive como recusar a princípio, pois ela me puxou pelo braço. Aos poucos a música alta do lugar ficava distante.

Meu coração disparou. Qualquer parte minha que jurava ter enterrado meus sentimentos por ela, se ergueu como um morto-vivo da cova. A decepção ás vezes faz a gente ir contra nós mesmos… Acontece.

E o problema não foi eu me apaixonar sem tê-la conhecido. Sem saber o que ela gostava. Do que gostava. O problema foi eu me apaixonar pelo pedaço que mais expressava quem ela era... a arte, a música, a voz.

Virgínia e eu nunca falamos para ninguém o que aconteceu mais tarde naquela noite. Nem entre nós mesmos.

Nós enterramos. E seguimos nossas vidas.

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